Por Augusto Gaspar

Entre os diversos reflexos da crise financeira mundial na gestão de talentos, um dos mais significativos foi o aumento da oferta de profissionais qualificados no mercado. Em algumas áreas o impacto foi grande a ponto de algumas empresas repensarem seus programas de desenvolvimento e avaliarem a possibilidade de aquisição de talentos do mercado. O fantasma da escassez de talentos parecia ter desaparecido do mapa, pelo menos temporariamente, e a oferta de bons candidatos superou, após muitos anos, a procura.

Esta situação trouxe novamente à tona um debate que parecia um assunto resolvido entre os profissionais de gestão de pessoas, que é o dilema entre desenvolver e adquirir talentos. Sempre houve adeptos das duas modalidades: há os que defendam com unhas e dentes que as empresas não devem gastar muito com o desenvolvimento de talentos, e sim adquirir os que precisam no momento necessário. Mas a corrente mais forte, e que venceu os debates até então, defende que o ideal é alimentar a estrutura de pessoas preferencialmente pela base, provendo os meios para o desenvolvimento dentro de caminhos de carreira, com vantagens nos aspectos de retenção, lealdade à empresa e criação de uma cultura forte, entre outros.
Mesmo com esta mudança temporária no cenário de oferta de talentos, se nos guiarmos por estratégias de gestão de longo prazo, o desenvolvimento ganha mais força e deve ser a primeira opção de qualquer empresa quando surgem oportunidades em seus quadros. Essa posição deve ser tomada obviamente sem radicalismos, pois há momentos em que é necessário buscar o talento que não existe e/ou levaria muito tempo para ser desenvolvido, por exemplo: na criação de novas áreas ou unidades de negócio, em alguns processos mais severos de reestruturação, e mesmo em aquisições e fusões, quando nenhum dos lados possui o que a nova empresa necessita.

Mas como nada dura para sempre, há mudanças a caminho: a rápida recuperação da economia mundial está revertendo novamente a direção do mercado. Empresas que reduziram seus quadros em demasia, por necessidade real ou por uma perspectiva negativa exagerada, precisam agora recompor suas equipes rapidamente e tenderão a aproveitar ao máximo essa disponibilidade de talentos no mercado, enquanto ela durar.

Exceto em momentos de ruptura, causados por mudanças tecnológicas ou alterações de mercado, podemos observar um comportamento cíclico neste processo, algumas vezes mais sério e profundo do que em outras, mas normalmente cíclico e repetitivo. Na maioria dos casos, áreas onde existe agora uma grande oferta de talentos poderão passar em breve por um momento de escassez. Essa fluidez do mercado justifica mais ainda que cada empresa tenha uma diretriz clara entre desenvolver e adquirir talentos, para nortear suas ações em momentos de comportamento diferenciado como o que vivemos agora.

Para ilustrar a importância dessas diretrizes, vejam o que foi relatado pelo colunista do Wall Street Journal, Dana Mattioli, em seu artigo “Only the Employed Need Apply”, de junho de 2009. No artigo, escrito em meio à crise com um cenário de desemprego beirando os 10% nos Estados Unidos, Mattioli comenta a decisão de algumas empresas em contratar somente pessoas empregadas, embora a oferta de pessoas disponíveis estivesse grande. A justificativa, que mais parecia um artifício para manter o trabalho dos headhunters imune aos efeitos da crise, era a de que, se essas pessoas haviam sobrevivido às demissões, elas eram mais capacitadas do que as outras. A opção por “roubar” talentos de outras empresas em um momento de alto desemprego gerou polêmica, tanto que o artigo de Mattioli recebeu cerca de 150 comentários – somente em sua versão eletrônica, em sua grande maioria criticando duramente a atitude dessas empresas.

Embora nada de ilegal ou antiético tenha sido feito pelas empresas citadas no artigo, sua imagem foi prejudicada por essas ações, e haverá com certeza um trabalho redobrado para conquistar a confiança e reter os talentos recém-adquiridos e aqueles que já estavam lá, mas se sentiram desprivilegiados ou ameaçados após essas contratações.

(*) Augusto Gaspar é Diretor da unidade de Professional Services da MicroPower e coordenador da coluna “Desenvolvendo Talentos” desta revista. Comentários e contribuições podem ser enviados para augusto.gaspar@micropower.com.br Twitter: augustofgaspar

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