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O peixinho dourado de monza

Por Augusto Gaspar

No dia 24 de Julho de 2004 uma notícia no mínimo curiosa foi veiculada por grandes redes européias incluindo a londrina Reuters: o conselho administrativo da cidade italiana de Monza proibiu a utilização de aquários redondos, onde normalmente são criados peixinhos dourados. Quando os jornalistas perguntaram sobre a razão de tal medida, o responsável pelo conselho, Giampietro Mosca, declarou que um peixe colocado nestes aquários redondos tem uma visão distorcida da realidade… e sofre por causa disso. 

Alguns anos depois, o físico Stephen Hawking veio em socorro ao pobre peixinho. Em seu livro “The Grand Design” (ainda sem tradução para o português) ele afirma que se o peixe tiver a habilidade de descrever um modelo matemático a partir de sua observação da realidade, e se esse modelo se provar válido em todas as situações descritas, então não se pode negar que o que o peixe vê é a realidade. Em outras palavras, qualquer observador que se colocar sob o mesmo ponto de vista do peixe terá, por exemplo, a mesma visão de que objetos que se movem em linha reta do lado de fora descrevem trajetórias curvilíneas. 

Portanto, podemos dizer que o peixe tem uma visão distorcida da realidade? Não, de certo que não. Ele tem uma visão própria da realidade, que, em seu contexto, é perfeitamente real e válida do ponto de vista científico. Na verdade, passamos a ter duas visões da realidade corretas, que dependem apenas do ponto de vista do observador. Na ciência moderna, há uma inter-relação muito forte entre os fenômenos e seus observadores, a ponto de alguns físicos da atualidade afirmarem que certos eventos só ocorrem de uma forma específica porque estão sendo observados.

Se imaginarmos que cada um de nós está dento de um “aquário” diferente dos demais, temos visões muito particulares da realidade. Esse nosso “aquário” pessoal é o que determina a nossa interpretação de tudo o que vemos, com base em nossos conhecimentos, experiência, maturidade, ambiente social, crenças e cultura. 

Pesquisas recentes indicam que a visão que temos do mundo também pode ser influenciada por estados emocionais, desejos e até pela condição física. O psicólogo Denis Proffitt ,da Universidade de Virgínia, após realizar uma série de experimentos com seus alunos, descobriu, por exemplo, que alunos com maior medo de altura superestimavam a inclinação de uma colina que eram convidados a descer de skate, e a inclinação foi descrita como mais suave pelos mais “corajosos”. O estado físico de quem fazia a estimativa de inclinação também foi determinante: pessoas mais cansadas tendem a ver uma inclinação ou escada mais íngreme do que os demais, da mesma forma as que estão com uma mochila pesada ou com algum problema de saúde.

Em outro experimento, em que alunos tinham que chutar uma bola para fazer um gol em uma daquelas traves em forma de garfo do futebol americano, os alunos com melhores resultados estimaram o tamanho da trave 10% maior do que os que tiveram os piores resultados. Incrivelmente os que erraram mais os chutes na altura acreditaram que a trave era mais alta, e os que erraram chutando para os lados acreditaram que ela era mais estreita. Em estudos similares sobre a percepção, pesquisadores descobriram que tenistas têm a impressão de que a bola é maior quando acertam a jogada e menor quando erram. Assim, podemos afirmar que o sucesso influencia a forma como vemos o mundo. 

Já há algumas décadas as organizações, principalmente as grandes multinacionais, passaram a prestar maior atenção às características individuais, e a de certa forma a utilizá-las em benefício de seus negócios, como nos times multiculturais que foram essenciais para a expansão global de muitas destas organizações. Hoje, mais do que nunca os líderes terão mais sucesso se desenvolverem a habilidade de compreender as diferenças de percepção que cada um de seus liderados apresenta. É questão de entender e respeitar como cada um aprende melhor, como aplica seu talento à sua maneira particular, e como responde com maior ou menor intensidade aos estímulos “motivacionais” da empresa. Se ao contrário, o líder se fechar em seu “aquário”, vai continuar a ver curvas onde os outros vêem retas, e daí o diálogo vai ser cada vez mais difícil.


(*) Augusto Gaspar é Diretor de Professional Services da MicroPower e coordenador da coluna “Desenvolvendo Talentos” desta revista. Comentários e contribuições podem ser enviados para augusto.gaspar@micropower.com.br Twitter: augustofgaspar

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