Por Augusto F. Gaspar (*)

A ideia de que nossa mente e nosso corpo são independentes é parte do conceito da dualidade (ou dualismo) apresentado pelo filósofo, físico e matemático René Descartes (1596-1650), que também criou as bases do cartesianismo. Posteriormente, o conceito da dualidade foi defendido pelo polêmico filósofo Christian von Wolff (1679-1754), que foi expulso da Universidade de Halle, na Alemanha, por suas ideias sobre a comprovação da existência de Deus e da imortalidade. 

No conceito dualista, existe uma clara separação entre corpo e mente, como um fantasma imortal que monitora e opera os controles de um corpo perecível e sujeito às mais básicas leis da física chamado máquina. Diversas doutrinas filosóficas e religiosas têm suas versões para a dualidade (O Fantasma na Máquina) igualmente polêmicas, que não iremos tratar nesta abordagem.

Por outro lado, temos o moderno conceito da singularidade, que é um momento previsto na evolução da humanidade segundo o qual estaremos plenamente integrados às máquinas. Raymond Kurzweil, em seu livro Singularity is Near (sem tradução para o português), de 2005, cita a singularidade como mais uma etapa na evolução das espécies, como proposta por Darwin. A evolução do homem para o homem-máquina, um conjunto cibernético de componentes naturais e artificiais funcionando em conjunto, é vista como certa por Kurzweil e outros cientistas de renome. 

Na esfera da ficção, a dualidade é um tema tratado em algumas obras, como em Matrix e no recente Surrogates (“Substitutos”, no Brasil), em que a mente controla corpos cibernéticos ou totalmente digitais enquanto seu corpo original permanece inerte. Nesses filmes, não há ainda uma verdadeira representação da dualidade, já que é somente o cérebro que realiza o controle, plugado às máquinas. Então, o que vemos em Matrix e Surrogates é a singularidade na completa união do ser humano com a máquina. Curiosamente, a ideia de Matrix veio da série de mangás de Masamune Shirow, chamada Ghost in the Shell (Fantasma na Máquina). 

Os avanços da neurociência têm mostrado que existem padrões de pensamento que podem ser captados e monitorados e, em breve, acreditam os cientistas, nosso cérebro poderá ser induzido, isto é, poderemos sentar em uma máquina e aprender! Assim como em Matrix, em que o operador faz um upload de instruções para uma personagem aprender a pilotar um helicóptero instantaneamente, poderemos receber conhecimentos e habilidades por meio de um upload para o nosso cérebro. 

Podemos, então, prever o fim das universidades, dos professores e dos profissionais de treinamento e desenvolvimento? Estou certo de que tudo será muito diferente, mas haverá necessidade de pessoas para capturar, desenvolver, organizar e aplicar os conhecimentos e habilidades para serem induzidos nos “alunos”. A tarefa de desenvolver talentos será acelerada pela tecnologia e por novos meios de captação e produção, mas não vai desaparecer. Da mesma forma, a captura do conhecimento individual para as bases de conhecimento das organizações será simplificada pela tecnologia, mas, de novo, haverá necessidade de organizar e orientar o seu compartilhamento, com os devidos filtros e as preocupações éticas que podem advir de uma “leitura do pensamento”. 

Certamente chegaremos, um dia, a ter tecnologia suficiente para simular o cérebro humano em uma máquina. Poderemos, então, chegar ao supra-sumo da singularidade, que será a carga de todo o conteúdo de um cérebro humano para a máquina, incluindo aí seu “software” inato e todos os dados resultantes das conexões neurológicas. Neste dia, por mais paradoxal que possa parecer, a singularidade nos possibilitará comprovar ou não a existência da dualidade.


(*) Augusto Gaspar é Diretor da unidade de Professional Services da MicroPower e coordenador da coluna “Desenvolvendo Talentos” desta revista. Comentários e contribuições podem ser enviados para augusto.gaspar@micropower.com.br Twitter: augustofgaspar

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