Por Augusto Gaspar (*)
Desde que os magnatas do capitalismo juntaram-se aos gênios do marketing, novas e criativas formas de nos fazer gastar dinheiro surgem todos os dias. Os norte-americanos, ícones do capitalismo e do consumo de massa mundiais, têm um talento especial para isso. Costumo ilustrar essa tese com o que vi em uma viagem a Flórida. Após um almoço com colegas de trabalho, ao circular pelos corredores do Sawgrass, autoeleito o maior Shopping Center do mundo, nos deparamos com uma peça decorativa que se assemelhava a uma grande tina redonda, com cerca de um metro de altura por quase dois de diâmetro, onde se amontoavam algumas crianças e adultos à sua volta.
Ao nos aproximarmos, vimos que seu interior tinha um formato de um funil ranhurado, construído para levar uma moeda de 25 cents da borda para o seu interior, a uma grande velocidade. Ficamos observando e, em poucos minutos, pelo menos uma dúzia de moedas foi colocada pelos passantes só pelo prazer de vê-las rodar e entrar em um buraco lá embaixo. Que outro povo no mundo construiria um caça-níqueis que não lhe devolve nada, além do barulho de uma moeda rodando funil abaixo? E que outro povo do mundo colocaria mais e mais moedas nesse treco? Agora imagine o que esses criativos e talentosos gênios do marketing são capazes de fazer quando têm a mais avançada tecnologia em mãos.
Pode parar de imaginar. A nova onda do marketing tira proveito do rastreamento dos quase 4 bilhões de aparelhos celulares espalhados pelo mundo. Você sabia que, quando seu aparelho celular está ligado, ele mantém contato regular com as torres da operadora, de forma que é possível saber sua localização com um bom grau de precisão? Isso permite monitorar a movimentação das pessoas 24 horas, além de oferecer uma enorme variedade de produtos e serviços com base nessas informações, desde os mais óbvios, como condições de tráfego e clima, até descontos em lojas próximas de seu caminho habitual, a partir de sofisticadas interações com bases de dados de clientes. E não é só isso: se você joga tênis semanalmente e frequenta um Shopping Center algumas vezes por mês, não se espante se receber uma propaganda de equipamentos para tênis de uma loja de esportes daquele Shopping Center, ou alguma propaganda assim: “Fulano, você passa todo dia pertinho da nossa loja e nunca parou para nos conhecer?”.
É uma versão telemática do Big Brother que nem George Orwell pode prever; talvez o fim dos (poucos) momentos de privacidade que ainda temos, mas, sem dúvida nenhuma, uma criação inteligente e fruto do talento humano. Alguns poderão considerar a utilização das informações de deslocamento invasivas e abusivas, outros encontrarão utilidade nos serviços oferecidos. Está criada a polêmica e, com certeza, mecanismos de proteção surgirão, como o recém-implantado bloqueio de telemarketing. Mesmo assim, as informações continuarão a ser monitoradas e disponíveis.
Além do uso para marketing, informações sobre movimentação em massa das pessoas são muito úteis para o planejamento de vias, moradias e transportes. E, claro, sempre haverá a preocupação de que essas informações possam ser utilizadas para fins ilícitos. Esconder-se? Quase impossível: está cada vez mais difícil passarmos despercebidos aos olhos atentos dos gênios do marketing.
(*) Augusto Gaspar é Diretor da unidade de Professional Services da MicroPower e coordenador da coluna “Desenvolvendo Talentos” desta revista. Comentários e contribuições podem ser enviados para augusto.gaspar@micropower.com.br.