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A inspiração da carreira de Fernanda Montenegro

Por Carlos Faccina

Li em dezembro um artigo de Fernanda Torres intitulado “A glória com seu cortejo de horrores” no qual a atriz faz um belo relato sobre a história da própria mãe, Fernanda Montenegro, celebrando os 65 anos da carreira completados em 2010.

Destaco naquele texto o que me pareceu especialmente inspirador para quem pensa em carreira. Logo de início, Fernanda, a filha, reconhece que “é praticamente impossível para um ator, hoje em dia, dar conta de Sófocles, Shakespeare, Nelson Rodrigues, Tchekov, Pinter, Moliére, O’Neill, Noel Coward, Arthur de Azevedo, para citar apenas alguns dos gênios” que foram trabalhados nesta longa carreira da Fernanda, a mãe.

Mas é no relato sincero de quem acompanhou a carreira da mãe na primeira fileira que encontramos o que me parecem bons ensinamentos a serem adotados por qualquer profissional que almeja ser bem-sucedido:

“Lady Montenegro trabalha até hoje com a volúpia de um estivador. Sua resistência é famosa. Depois de passar o corrido, ou seja, a peça inteira de cabo a rabo no ensaio, ela gosta de passá-la ainda mais uma ou duas vezes. Fernanda sabe que é no cansaço da repetição, como um trapezista de circo, que se atinge a tão cobiçada mestria.

Para ela, decorar um papel nada tem a ver com lembrar o que está escrito. É um processo árduo de introjetar as palavras antes de projetá-las para fora, de alcançar o sentido escondido, de visualizar e corporificar o espírito da fala. Assim como um pianista virtuoso, dona Fernanda tem consciência de que não basta acertar a nota, é preciso atingir a essência da partitura para se chegar a um resultado digno de ser chamado de música”.

…mais adiante:

“Memorizar uma obra de dramaturgia para minha progenitora é um ato de loucura, uma luta bestial, sempre foi, e é justamente aí, na negação da mecanicidade, da facilidade, do jogar fora, que se encontra o salto triplo que a diferencia do resto da humanidade. Vem da batalha com a memória a sonoridade única, a dissonância de sua maneira de representar.”


“Fiel às origens, não existe nela nenhum travo burguês. Ela não dá valor ao luxo, vive comedidamente, não tem apreço ao poder e segue à risca o conselho de Hamlet: ‘O que importa na vida é estar preparado’”.


“Minha mãe recebe com carinho as demonstrações de afeto, mas rejeita com igual gentileza o endeusamento. Apesar de devota, é um ser encarnado, uma operária dotada de um luminoso espírito artístico muito semelhante ao de seu pai, modelador mecânico.”


“Apesar de ter optado por uma profissão de exposição pública, manter o segredo sobre si mesma é o primeiro de seus mandamentos. A exibição pessoal, acredita ela, atrapalha a ilusão do personagem, essência do ofício do ator. Deve-se ter sempre a intimidade preservada.”

Obrigado Fernanda, pelo relato sincero, e Fernanda, pela inspiração. Nada precisa ser dito, apenas o aplauso silencioso.

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