No Congresso Brasil Digital 2025, a palestra de Marco Lauria trouxe uma visão clara e acessível sobre como a inteligência artificial pode ser aplicada de maneira prática no cotidiano de pessoas, empresas e instituições públicas. Com mais de três décadas de experiência na IBM — onde liderou áreas como Analytics, Big Data e Cognitive Solutions (incluindo o Watson na América Latina) — e hoje atuando no Instituto e no Movimento Brasil Digital, Lauria contextualizou a evolução dos modelos de linguagem e apresentou aplicações concretas que já estão transformando processos e decisões.
Ele iniciou resgatando a trajetória que antecede a atual onda de IA. Antes de modelos generativos, o mercado era dominado por soluções de Business Intelligence, data warehouses e análises baseadas apenas em dados estruturados. A chegada do Big Data ampliou horizontes, permitindo processar diferentes tipos de informação em tempo real. No entanto, segundo Lauria, a verdadeira ruptura ocorreu a partir de 2022, com a popularização do ChatGPT, que democratizou o acesso à IA e acelerou sua adoção global.
Lauria destacou que, embora o ChatGPT tenha sido o grande catalisador, os modelos de linguagem não surgiram repentinamente. A tecnologia fundamental — os Transformers, descritos em um artigo do Google em 2017 — deu origem a famílias de modelos que hoje compõem o ecossistema da IA generativa: GPT (OpenAI), Gemini (Google/Alphabet), Claude (Anthropic), Grok (xAI) e Llama (Meta). Atualmente, existem milhões de modelos, dos que rodam em dispositivos pessoais até aqueles com trilhões de parâmetros, que exigem infraestrutura especializada.
Outro ponto central da palestra foi a multimodalidade. Diferentemente das primeiras gerações, os modelos atuais não se limitam ao texto. Eles analisam imagens, vídeos, áudios, gráficos e documentos complexos, além de gerar código em diversas linguagens de programação. Essa versatilidade amplia o alcance da IA para atividades como análise de dados, criação de conteúdos, desenvolvimento de software, suporte a decisões e automação de rotinas.
Lauria também explicou a importância do acesso à web e das técnicas de RAG (Retrieval-Augmented Generation). Se inicialmente os modelos respondiam apenas com base no que haviam aprendido durante o treinamento, hoje são capazes de buscar informações recentes na internet ou interpretar conteúdos privados adicionados pelo usuário, como PDFs, vídeos e sites institucionais. Isso permite criar aplicações personalizadas e seguras, adaptadas ao contexto de cada organização.
A palestra abordou ainda o ecossistema crescente de ferramentas construídas sobre esses modelos — de chatbots avançados a aplicações especializadas para escrita, edição de imagem, geração de vídeos e aumento de produtividade. Lauria destacou que a escolha da ferramenta ideal depende menos da “melhor tecnologia” e mais do alinhamento ao objetivo pretendido. Ele demonstrou soluções que apoiam desde revisão de textos até criação de apresentações completas com base em documentos fornecidos pelo usuário.
Um exemplo prático apresentado foi o NotebookLM, do Google, uma plataforma que permite ao usuário montar cadernos temáticos com fontes diversas: documentos, vídeos, transcrições, páginas da web. A partir desse conjunto, o sistema gera resumos, mapas mentais, análises comparativas, questionários de estudo e até roteiros de apresentações. Lauria demonstrou como, em poucos minutos, é possível transformar um conjunto de documentos em um vídeo sintético ou em uma apresentação estruturada, reduzindo drasticamente o tempo de preparação de conteúdos.
Apesar do foco nas possibilidades, Lauria trouxe alertas relevantes. Um deles diz respeito ao fenômeno do “bring your own AI”: profissionais que, ao descobrirem novas ferramentas no uso pessoal, passam a utilizá-las no ambiente corporativo sem conhecimento ou validação da organização. Esse movimento impõe desafios de governança, privacidade e segurança, exigindo que empresas e órgãos públicos estabeleçam políticas claras sobre o uso de IA, especialmente quando há manipulação de dados sensíveis.
Ao final, Lauria reforçou que a inteligência artificial deve ser vista como uma camada de capacidade em cima de processos, estratégias e competências já existentes. O valor não está apenas na tecnologia em si, mas em como ela é incorporada para resolver problemas reais, aumentar produtividade, ampliar acesso à informação e apoiar decisões mais qualificadas.
Sua mensagem final foi direta: a IA não é um salto disruptivo isolado, mas uma continuidade natural da evolução digital. O desafio — para indivíduos, empresas e governos — é compreender essa evolução, identificar oportunidades e integrar essas capacidades de forma responsável, estratégica e orientada a resultados.


